Sessão especial de natal do Cine Horror
21 de dezembro na Sala Walter da Silveira (Salvador/BA) – 18:30h
Versão sem cortes. Duração: 85min. Entrada: R$5,00
Uma realização Pig Arts / GoreBahia
“O Papai Noel não é um personagem da religião, mas sim um
mito tradicional”, argumentou Ira Richard Barmak, um dos produtores de Natal
Sangrento (Silent Night, Deadly Night), a respeito da controvérsia do filme
lançado em novembro de 1984. No filme o personagem principal Billy Chapman, após
uma crise de estresse pós-traumático, inicia uma onda de assassinatos em massa (fantasiado
de Papai Noel) a partir da loja de brinquedos Ira’s Toys, nomeada em homenagem
ao produtor. É uma obra similar a poucas, visto que o charme dos serial killers
das tramas cinematográficas policiais costuma ofuscar a fúria desenfreada dos
spree killers do cinema de horror.
A base estrutural do filme o enquadra, em boa parte, na
categoria nos slashers, onde sempre reinaram as monstruosidades pós-humanas (Jason
Vorhees, Freddy Krueger ou mesmo pessoas com um nível de inumanidade
sobrenatural, tal qual Michael Myers). O filme, no entanto, se sobressai ao
posicionar o holofote sobre o personagem-monstro, conferindo-lhe uma humanidade
raramente observada em vilões do subgênero. A distribuidora TriStar chegou a
retirar o filme de cartaz após uma onda de protestos de pais que denunciavam, nas
portas dos cinemas, a deturpação de uma tradição altamente vinculada ao catolicismo
– não antes do filme ultrapassar a bilheteria de A Hora do Pesadelo (Nightmare
on Elm Street, 1984), que entrou em cartaz na mesma data.
Apesar de menos conhecido, o diretor Lewis Jackson já havia
abordado, quatro anos antes – e de maneira bem menos violenta -, um homem comum
que perde a sanidade enquanto fantasiado de Papai Noel, no filme Natal
Diabólico (You Better Watch Out AKA Christmas Evil, 1980). De certa forma, ambos
os filmes bebem da fonte de Paul Schrader e criam seu próprio Travis Bickle (Taxi
Driver, 1976) em uma representação onde a criminalidade urbana conflui com
situações onde a sanidade do indivíduo e a sociedade não se dão as mãos. Outros
exemplos famosos surgiriam nas telas, memoravelmente o personagem de Michael
Douglas em Um dia de Fúria (Falling Down, 1993), um dos filmes mais assistidos
da década de 90 na TV brasileira. Em Natal Sangrento o roteirista Michael
Hickey adiciona o toque exploitation necessário para chocar os espectadores e
tornar a criminalidade urbana assustadora em seus detalhes, seguindo a receita
de Tobe Hooper em O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chainsaw Massacre, 1974).
A principal fonte para o roteiro, no entanto, é apontada (inclusive
no IMDB, pois consta nos créditos do filme) como a história “Slay Ride” escrita
por Paul Caimi, de cuja publicação não existem registros na web. Isso ocorre
porque simplesmente não existe tal livro. Em entrevista para o site Birth.Movies.Death.
em dezembro de 2014, Scott Schneid (que foi produtor ao lado de Ira Barmak e
Dennis Whitehead) e Michael Hickey contam que um estudante de 21 anos enviou um
roteiro intitulado “He Sees You When You’re Sleeping”, de onde retiraram apenas
a ideia presente em uma sentença de três palavras: “a killer Santa”. Por
motivos de segurança, compraram o roteiro, ofereceram o crédito “story by” para
o rapaz e trabalharam a ideia criando do zero uma história, essa sim intitulada
“Slay Ride” e posteriormente alterada para o título original.
Embora o constante retorno à obra nas décadas seguintes e
sua alçada ao status de filme cultuado em muito se deva à violência das cenas (excepcionalmente
a sequência de Linnea Quigley sendo pendurada nos chifres de uma cabeça de rena
empalhada, em célebre citação à cena similar com um gancho de açougue presente
em O Massacre da Serra Elétrica), o tour de force da obra está em seus
primeiros trinta minutos, quando são traçados os traumas e motivações que levam
Billy a ruir. Com muita clareza, o filme retrata o ensino através da punição
como um agravante na formação de uma personalidade equilibrada, reconhecendo, por
fim, a própria criminalidade como ato previsível resultante da negligência. Em
um eterno retorno, o trauma gerado por um criminoso fantasiado de Papai Noel
acaba gerando, anos depois, um novo criminoso fantasiado de Papai Noel. O que
ambos provavelmente possuem em comum está no constructo de uma infância
perturbada e de uma juventude sexualmente reprimida. O descaso inumano e a
educação opressora são representadas no filme através da Madre Superiora, personagem
interpretada com toda severidade por Lilyan Chauvin. A direção de Charles
Sellier Jr., prolífico produtor de documentários e dramas para a TV com poucas
passagens na direção de ficção, opta pela dramaticidade da montagem e por
ângulos de câmera que remetem ao expressionismo – sendo, em alguns momentos, inspirado;
em outros, piegas.
No final das contas, apesar de submerso em controvérsias e
declarado por muitos como “mais um slasher em meio a slashers”, o contexto e
construção de Natal Sangrento acabam resultando em uma obra diferenciada e mais
humana que o esperado – um verdadeiro conto de natal, com um Scrooge
surpreendentemente menos desumano ao realizar seus atos de forma inconsciente
ou sob uma influência esquizofrênica, apesar de extremamente letal. Não raro, espectadores
sentem pena de Billy Chapman em seu frenesi de punição. Uma sensação
controversa, como o filme.
Saul Mendez para o Gore Bahia, 18/12/2017