Especial
70 anos de Stephen King
Domingo,
22 de Outubro
Sala
de Cinema Walter da Silveira
Salvador
– BA
Quando
os primeiros acordes de “(I Don’t Wanna Be Buried in a) Pet Sematary” ressoam
nas caixas, sobem os créditos de uma das adaptações cinematográficas mais
marcantes e populares da obra de Stephen King. Assim como a música dos Ramones,
O Cemitério Maldito (Pet Sematary, 1989) se eternizou nas décadas seguintes
entre defensores e detratores, como uma vitória ganha com acertos magníficos em
meio às falhas.
A
diretora Mary Lambert soube injetar um apelo comercial ao material, entre uma
estética que anunciava o início dos anos 90 e uma sincera homenagem à
iluminação, ângulos de câmera e mesmo a dramatização piegas de A Noite dos
Mortos Vivos (George Romero, 1969). A diretora não vinha do cinema, mas da
indústria da música – detentora do sucesso massivo por trás de muitos
videoclipes de Janet Jackson, Madonna, Chris Isaak, Rod Stewart, Sting e
Eurythmics. Com esse viés, alcançou abrangência de publico para o filme e
gravou a imagem de Gage Creed (interpretado pelo ator mirim Miko Hughes) na
história da cultura pop. Para equilibrar a balança, o filme contou com a mão do
próprio Stephen King no roteiro (ele ainda faz uma aparição como ator, no papel
de um padre).
O
Cemitério Maldito conta a história da família Creed, que se muda para uma
região bucólica do Maine, onde o médico Louis Creed (Dale Midkiff) pretende
criar raízes com sua esposa e seus dois filhos. Ao atender uma vítima de
atropelamento no primeiro dia de trabalho, Louis sonha com o fantasma do rapaz.
O espírito indica que não se deve ultrapassar a barreira que separa o cemitério
de animais, que existe na floresta ao lado, de um antigo terreno dos índios
MicMacs. Tudo que é enterrado ali retorna, porém não da mesma forma. Observamos,
a partir daí, a luta de um homem para manter sua família unida enquanto a morte
começa a rondar – mesmo que isso exija ultrapassar a barreira que separa os
vivos dos mortos.
A
temática do filme é adulta e bem explorada por King. A morte e a fragilidade
humana são os assuntos da vez: o que somos, para onde vamos e porque não
voltamos. Ainda, como uma revisão moderna de Frankenstein, a obsessão de Louis
Creed não está na criação da vida mas na manutenção da mesma, principalmente
dos laços familiares. Creed é incapaz de se desapegar da existência física e
dos entes queridos – e é justamente a partir de seus questionamentos que, tal
qual na obra de Mary Shelley, se desencadeia uma situação descontrolada. Também
Rachel Creed (Denise Crosby) possui seus impasses com a morte, e o roteiro
chega a questionar, através da personagem, sentimentos dúbios de dor e alívio
perante uma perda. No entanto, os diálogos são excessivamente dramáticos. A
forte referencia visual dos filmes de George Romero (que tinha sido escalado
inicialmente para a direção) e a carga teatral dos atores contribui para o
clima kitsch do resultado geral. Existe seriedade no cerne da obra, e existe um
conteúdo bem estruturado nos diálogos; é o formato que gera as controvérsias da
crítica geral.
Ao
optar por um caminho pautado em clássicos de outras décadas, Mary Lambert acaba
criando um filme facilmente ancorado em uma linguagem conhecida pelos fãs. É
quando vem à tona imagens que referenciam (e reverenciam) diretamente A Noite
dos Mortos Vivos e A Noiva de Frankenstein (James Whale, 1935) que é alcançada
a imortalidade da obra – e o filme acaba inserido no contexto de outras eras da
Paramount, contrariando toda a base moderna de uma diretora de videoclipes
oitentistas. Ainda, o filme conta com os elementos bem explorados de um gótico
moderno presente no cerne da obra de Stephen King. A grandiosidade sutil
perpassa um caminhão que atravessa a estrada religiosamente ao longo da
projeção, como uma presença sombria e um presságio, indo e voltando tal qual o
ciclo interminável da vida; temos o cenário primoroso do cemitério e da
floresta do Maine, um presente atemporal para a ambientação da história; também
a célebre maquiagem do fantasma de Victor Pascow (Brad Greenquist) pelas mãos
de Dave LeRoy Anderson e Lance Anderson, e ainda uma atuação confiante de Fred
Gwynne em meio ao mar de drama exacerbado.
De
ponta a ponta, O Cemitério Maldito é uma história que agrega elementos diversos
do horror em uma obra única, através da técnica narrativa de Stephen King, entre
flashbacks e pequenos contos que deixam muito à imaginação dos leitores. Nas
telas assistimos a uma adaptação que, apesar de prejudicada em alguns aspectos,
consegue o efeito de ser inesquecível, alçada ao culto dos fãs – frágil, mas
nunca irrelevante.
Saul
Mendez para o GoreBahia, 25/08/2017.